ivemos muito mais do que uma tragédia sanitária. Os descontroles autoritários do governo trazem uma deterioração do país em todos os sentidos. As instituições públicas são achacadas, a ciência é negada, e o social, atropelado por um economicismo insensível. O resultado tem se evidenciado na atual crise política, social e econômica em que o Brasil se encontra. Mais do que isso: há um processo de destruição de valores construídos em torno dos direitos das coletividades e de condições para um país mais justo para todos.
Sem perdermos a capacidade de ficar perplexos diante de tudo isso, ainda recebemos cada notícia sobre as interferências no setor da Cultura com constrangimento, indignação e revolta. Temos visto os cargos do setor serem ocupados por pessoas com pautas meramente ideológicas e o fisiologismo político dominantes em setores do atual governo; sem qualquer experiência na área cultural ou na administração pública – uma evidência de que se trata tão somente de aparelhar as instituições, e um alinhamento à uma visão antidemocrática e preconceituosa do atual governo.
Ao defender a pluralidade da sociedade brasileira, as políticas públicas culturais são também a execução do que está previsto na Constituição Federal, ou seja, garantir amplamente o exercício dos direitos culturais e promover e valorizar as criações artísticas e científicas, a memória, as práticas e manifestações culturais de todos os grupos que expressam a diversidade étnica e cultural da nação brasileira. E é por isso que o setor da Cultura vem sendo desmantelado.
Já em 2016, a tentativa de extinção do Ministério da Cultura-MinC dizia respeito à intenção dos governantes de reduzir o papel do Estado na área, que se desenrolou em um projeto de esvaziamento das políticas dentro da administração direta. No atual governo, que extinguiu o MinC de fato, o desmonte das políticas culturais se intensificou e tem tido impactos negativos para diversos segmentos econômicos e sociais – o que só piorou no contexto da pandemia de Covid-19. Convertido em Secretaria Especial da Cultura-SEC, o órgão responsável por definir as diretrizes políticas do audiovisual, do patrimônio cultural, dos museus federais, das artes e da literatura, dos acervos bibliográficos e arquivísticos, dos projetos culturais via mecanismo de incentivo fiscal, está completamente desorganizado. Estamos diante de uma secretaria de governo que desaba com diversos problemas administrativos, falta de diretrizes estratégicas e irrelevância política, impossibilitando qualquer alcance social. A área da Cultura em âmbito federal está sem cabeça e sem braços.
Em consequência, estamos lidando com situações drásticas dentro das autarquias e fundações do setor: nomeações descabidas de gestores sem qualificação técnica, extinção de setores e atividades importantes para planejar e executar as políticas culturais, sem falar no assédio e na censura no ambiente de trabalho. A incorporação da Secretaria Especial de Cultura na estrutura do Ministério do Turismo não ofereceu melhora: permanecemos dentro de uma desorganização administrativa, que desconhece as políticas, os projetos e as ações que deveriam ser desenvolvidas por uma pasta do Estado. O desconhecimento e, sobretudo, o desprezo do governo em relação às instituições da Cultura parecem motivar toda sorte de medidas açodadas e equivocadas. Citamos alguns exemplos: a recente exoneração de servidores de seus cargos comissionados na direção SEC como forma de perseguição política; a demolição iniciada na Fundação Cultural Palmares, que evidencia a vontade do dirigente de agir contra os grupos e comunidades negras a quem se destina a política do órgão; a extinção das representações regionais da Cultura, na contramão do que seria necessário para as articulações entre os entes federados na área; as declarações de alguns dirigentes, como o que ocupou durante alguns meses a Fundação Nacional de Artes, que expressam a ignorância e o preconceito sobre as expressões artísticas e o propósito da política pública. Sem esgotar os exemplos, temos o projeto de extinção da Fundação Casa de Rui Barbosa, importante e reconhecido órgão para a reflexão e pesquisa sobre as políticas culturais no Brasil e na América Latina, e a recente privatização da Cinemateca Brasileira e seu acervo.
A área da Cultura sofre, mas os servidores não estão parados! Continuamos atentamente zelando pelo serviço que prestamos à sociedade brasileira. Sabe-se que todo discurso tem um viés ideológico, tendo em vista que não pode ser absolutamente neutro e imparcial. Nesse sentido, o viés ideológico do servidor público é o próprio compromisso com a Constituição Federal e as leis que regem as políticas culturais. Assim, lembramos que continuamos firmes com a missão de defender os direitos e deveres dos cidadãos no que que tange às garantias em relação à memória e à identidade de todos os brasileiros. Nossas lutas reafirmam os direitos fundamentais garantidos no Art. V da Carta Magna: o exercício, por todos os cidadãos, da liberdade de expressão intelectual e artística, independente de crença religiosa, convicção filosófica ou política. Somos técnicos qualificados, trabalhando a serviço da sociedade!
Nós, servidores da Cultura, sempre estivemos juntos como os demais setores do Estado na busca dos caminhos democráticos para fortalecer as políticas públicas no país. Queremos convidar todos a retomarmos esse caminho! Atualmente, o setor da Cultura não está isolado das demais áreas que são alvos desse governo, especialmente do meio ambiente e da proteção dos povos indígenas.
Nesses novos tempos de pandemia, em que prevalecem as medidas de distanciamento social, não podemos perder a chance de encontrar novos canais para dialogarmos e construirmos as nossas pautas. Estejamos junto com as entidades associativas, sindicais e os coletivos organizados para defender o óbvio: a democracia, as liberdades, os saberes tradicionais, a história e a memória, as expressões artísticas e a diversidade das culturas que são a alma e o corpo do Brasil.
Queremos um país para todos! Sem CULTURA, a sociedade estará fadada aos valores de fake news!!!
Subscrevem o Manifesto: Fórum da Cultura, CONDSEF, SINDSEP-RJ, SINDSEP-SP, SINDSEP-MG, AFIPEA-SINDICAL, ASSIBGE – SN